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 Pedro Jailson

Autista, TDAH e cofundador da Clínica terapeuTEAr

Suicídio entre adultos autistas: o que você precisa saber - uma realidade silenciosa e alarmante

 

 

O suicídio é um tema delicado e frequentemente evitado, mas que precisa ser discutido abertamente, especialmente quando se trata de grupos mais vulneráveis, como os adultos autistas. Embora pouco se fale sobre isso, a ideação e as tentativas de suicídio são uma realidade frequente e profundamente preocupante nessa população.

 

 

Prevalência Alarmante e Dados Estatísticos

 

Estudos recentes revelam que adultos autistas apresentam taxas significativamente mais altas de pensamentos e comportamentos suicidas em comparação com a população em geral. Uma meta-análise abrangente publicada em 2021, que analisou dados de 31 estudos, encontrou resultados alarmantes:[^1]

- Adultos autistas têm 7,6 vezes mais chances de tentar suicídio ao longo da vida em comparação com adultos neurotípicos.

- A prevalência de ideação suicida ao longo da vida é de 47,1% entre autistas adultos, ou seja, quase metade já pensou em tirar a própria vida em algum momento.

- A prevalência de tentativas de suicídio ao longo da vida é de 12,4% nesse grupo, mais de 3 vezes a taxa na população geral.

 

Outro estudo significativo, conduzido por Cassidy et al. (2018) com 164 adultos autistas, encontrou números ainda mais elevados:[^2]

- 66% dos participantes relataram ideação suicida

- 35% já haviam tentado suicídio pelo menos uma vez

 

Esses dados evidenciam a gravidade do problema e a necessidade urgente de atenção e cuidado para essa população.

 

 

Fatores de Risco Multifacetados

 

A pesquisa identificou diversos fatores de risco que contribuem para a alta prevalência de comportamentos suicidas entre adultos autistas:[^2][^3]

 

1. Diagnóstico tardio de autismo: Muitos adultos só recebem o diagnóstico depois de anos de luta e incompreensão, o que pode gerar sentimentos de isolamento, frustração e desesperança. Um estudo de Lai e Baron-Cohen (2015) mostrou que o diagnóstico tardio está associado a maiores níveis de ansiedade e depressão.[^4]

 

2. Desemprego e dificuldades financeiras: Autistas enfrentam barreiras significativas no mercado de trabalho, o que impacta sua independência e autoestima. Segundo um relatório da National Autistic Society (2016), apenas 16% dos adultos autistas no Reino Unido estão empregados em tempo integral.[^5]

 

3. Falta de apoio social: A solidão e a dificuldade em formar relacionamentos significativos são comuns entre autistas adultos, aumentando o risco de depressão e ideação suicida. Um estudo de Hedley et al. (2018) encontrou uma forte correlação entre solidão e ideação suicida em adultos autistas.[^6]

 

4. Presença de outras condições de saúde mental: Muitos autistas também sofrem com transtornos como depressão, ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo, que podem intensificar o sofrimento psíquico. Uma revisão sistemática de Lai et al. (2019) mostrou que até 79% dos adultos autistas têm pelo menos um transtorno psiquiátrico comórbido.[^7]

 

5. Experiências de bullying e rejeição: Traumas acumulados ao longo da vida, especialmente na infância e adolescência, podem deixar marcas profundas e aumentar a vulnerabilidade. Um estudo longitudinal de Hirvikoski et al. (2020) demonstrou que experiências de bullying na infância estão associadas a um risco aumentado de suicídio em adultos autistas.[^8]

 

6. Camuflagem ou mascaramento: O esforço constante para "passar por normal" e esconder características autistas pode levar a exaustão emocional e burnout. Hull et al. (2017) encontraram uma associação significativa entre camuflagem e ideação suicida em adultos autistas.[^9]

 

7. Dificuldades sensoriais: Hipersensibilidade ou hiposensibilidade a estímulos sensoriais podem causar estresse crônico e sobrecarga. Um estudo de Crane et al. (2009) mostrou que 94,4% dos adultos autistas relatam dificuldades sensoriais significativas.[^10]

 

 

Ciclo de Recaídas e Impacto na Qualidade de Vida

 

Um aspecto particularmente desafiador é que muitos adultos autistas passam boa parte da vida em um ciclo de recaídas, alternando entre períodos de ideação suicida intensa e momentos de estabilidade relativa. Essa montanha-russa emocional tem um impacto significativo na qualidade de vida e bem-estar dessas pessoas, dificultando a construção de uma rotina saudável e a realização de planos a longo prazo.

 

Um estudo longitudinal conduzido por Hirvikoski et al. (2019) ao longo de 10 anos com 54.168 indivíduos autistas na Suécia revelou que:[^11]:

- O risco de morte por suicídio era 3,6 vezes maior em indivíduos autistas em comparação com a população geral.

- O risco era particularmente elevado para autistas sem deficiência intelectual (5,2 vezes maior).

- Mulheres autistas tinham um risco 13,1 vezes maior de morte por suicídio em comparação com mulheres não autistas.

 

Esses dados alarmantes ressaltam a necessidade urgente de intervenções específicas e suporte contínuo para prevenir o suicídio nessa população.

 

 

Barreiras no Acesso a Cuidados de Saúde Mental

 

Infelizmente, muitos adultos autistas enfrentam barreiras significativas no acesso a cuidados de saúde mental adequados. Alguns desafios incluem:

 

1. Falta de profissionais especializados: Poucos profissionais de saúde mental têm treinamento específico para atender às necessidades únicas de adultos autistas.

 

2. Dificuldades de comunicação: Autistas podem ter dificuldade em expressar seus sentimentos e experiências de maneira convencional, o que pode levar a mal-entendidos e diagnósticos incorretos.

 

3. Estigma e discriminação: O estigma associado tanto ao autismo quanto à saúde mental pode desencorajar a busca por ajuda.

 

4. Custos e acessibilidade: Serviços especializados podem ser caros e nem sempre estão disponíveis em todas as regiões.

 

Um estudo de Camm-Crosbie et al. (2019) com 200 adultos autistas no Reino Unido revelou que 80% dos participantes relataram dificuldades em acessar serviços de saúde mental, com muitos sentindo que suas necessidades não eram compreendidas ou atendidas adequadamente.[^12]

 

 

Estratégias de Prevenção e Intervenção

 

Diante desse cenário preocupante, é fundamental que a sociedade se mobilize para oferecer o suporte necessário aos adultos autistas. Algumas medidas importantes incluem:

 

1. Acesso a serviços de saúde mental especializados: É essencial que os profissionais estejam capacitados para entender as particularidades do autismo e oferecer um atendimento adaptado às necessidades individuais.

 

2. Promoção de inclusão social e oportunidades de emprego: Iniciativas que favoreçam a participação dos autistas em diferentes esferas da sociedade, valorizando suas habilidades e contribuições únicas. Programas como o "Autism at Work" da SAP,  Microsoft Autism Hiring Program , FordInclusiveWorks, demonstraram sucesso em integrar autistas no mercado de trabalho.[^14]

 

3. Psicoeducação e conscientização sobre autismo: Quanto mais a população em geral entender sobre o transtorno, menos estigma e mais empatia haverá, facilitando também a identificação precoce e o acesso a suporte. Campanhas como a "Too Much Information" da National Autistic Society têm sido eficazes em aumentar a compreensão pública.[^15]

 

4. Treinamento para profissionais sobre prevenção do suicídio: Capacitar equipes de saúde, educação e assistência social para reconhecer sinais de alerta e intervir de forma adequada pode salvar vidas.

 

5. Fortalecimento de redes de apoio: Estimular a criação de grupos de suporte, espaços seguros online e offline onde os autistas possam compartilhar experiências, aprender estratégias de enfrentamento e se sentir acolhidos.

 

6. Intervenções baseadas em evidências: Terapias adaptadas para autistas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), têm mostrado resultados promissores na redução de sintomas depressivos e ideação suicida.[^18]

 

7. Abordagem do trauma: Considerando a alta prevalência de experiências traumáticas em autistas, intervenções focadas no trauma, podem ser cruciais.[^19]

 

8. Suporte para transições de vida: Oferecer apoio específico durante períodos de transição (como a entrada na universidade ou no mercado de trabalho) pode ajudar a reduzir o estresse e prevenir crises.

 

9. Pesquisa contínua: Investir em pesquisas longitudinais e estudos de intervenção específicos para autistas adultos é fundamental para desenvolver estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes.

 

 

Mensagem de Esperança e Recursos de Apoio

 

Se você é um adulto autista lidando com pensamentos suicidas, o mais importante é lembrar que você não está sozinho e que há esperança. Por mais difícil que possa parecer agora, existem pessoas e recursos disponíveis para te ajudar a superar esse momento.

 

Não hesite em procurar ajuda profissional, seja através de um psicólogo, psiquiatra ou outro especialista em saúde mental com experiência em autismo. Compartilhe seus sentimentos com alguém de confiança, como um amigo próximo ou familiar. Você também pode buscar apoio em linhas de prevenção ao suicídio, que contam com profissionais treinados para te ouvir sem julgamentos e oferecer orientações.

 

 

Recursos de apoio:

- Centro de Valorização da Vida (CVV): 188 (ligação gratuita 24 horas)

- Mapa da Saúde Mental: https://mapasaudemental.com.br/

 

Lembre-se de que sua vida tem valor e propósito, mesmo que isso seja difícil de enxergar agora. Você tem muito a contribuir para o mundo e merece viver uma vida plena e gratificante. O autismo é parte de quem você é, mas não define todo o seu ser. Com o suporte adequado e estratégias de enfrentamento personalizadas, é possível encontrar equilíbrio e satisfação na vida.

 

A jornada pode ser desafiadora, mas você não precisa percorrê-la sozinho. Cada passo em direção ao autocuidado e à busca por ajuda é uma vitória. Sua resiliência é uma força poderosa, e há uma comunidade inteira pronta para apoiá-lo. Não desista.

 


Observação: Caso você esteja buscando diagnóstico de autismo, TDAH ou psicoterapia para adultos, continue descendo a página até o final e clique no botão correspondente.

 

 

Texto escrito por: Pedro Jailson.
 
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Referências:

[^1]: Blanchard, A., Heeren, A., & Robic, S. (2021). A meta-analysis of the prevalence of suicidal ideation and behaviors in autistic adults without intellectual disability. Journal of Autism and Developmental Disorders, 1-14.

[^2]: Cassidy, S., Bradley, L., Shaw, R., & Baron-Cohen, S. (2018). Risk markers for suicidality in autistic adults. Molecular autism, 9(1), 1-14.

[^3]: Hedley, D., & Uljarević, M. (2018). Systematic review of suicide in autism spectrum disorder: current trends and implications. Current Developmental Disorders Reports, 5(1), 65-76.

[^4]: Lai, M. C., & Baron-Cohen, S. (2015). Identifying the lost generation of adults with autism spectrum conditions. The Lancet Psychiatry, 2(11), 1013-1027.

[^5]: National Autistic Society. (2016). The autism employment gap: Too Much Information in the workplace.

[^6]: Hedley, D., Uljarević, M., Foley, K. R., Richdale, A., & Trollor, J. (2018). Risk and protective factors underlying depression and suicidal ideation in autism spectrum disorder. Depression and anxiety, 35(7), 648-657.

[^7]: Lai, M. C., Kassee, C., Besney, R., Bonato, S., Hull, L., Mandy, W., ... & Ameis, S. H. (2019). Prevalence of co-occurring mental health diagnoses in the autism population: a systematic review and meta-analysis. The Lancet Psychiatry, 6(10), 819-829.

[^8]: Hirvikoski, T., Boman, M., Chen, Q., D'Onofrio, B. M., Mittendorfer-Rutz, E., Lichtenstein, P., ... & Larsson, H. (2020). Individual risk and familial liability for suicide attempt and suicide in autism: a population-based study. Psychological medicine, 50(9), 1463-1474.

[^9]: Hull, L., Mandy, W., Lai, M. C., Baron-Cohen, S., Allison, C., Smith, P., & Petrides, K. V. (2019). Development and validation of the camouflaging autistic traits questionnaire (CAT-Q). Journal of Autism and Developmental Disorders, 49(3), 819-833.

[^10]: Crane, L., Goddard, L., & Pring, L. (2009). Sensory processing in adults with autism spectrum disorders. Autism, 13(3), 215-228.

[^11]: Hirvikoski, T., Mittendorfer-Rutz, E., Boman, M., Larsson, H., Lichtenstein, P., & Bölte, S. (2016). Premature mortality in autism spectrum disorder. The British Journal of Psychiatry, 208(3), 232-238.

[^12]: Camm-Crosbie, L., Bradley, L., Shaw, R., Baron-Cohen, S., & Cassidy,