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Pedro Jailson

Autista, TDAH e fundador da Clínica TerapeuTEAr

            

            

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Dupla Excepcionalidade em Adultos Autistas e com TDAH: Entendendo Perfis, Desafios e Estratégias

 

Introdução

A dupla excepcionalidade – frequentemente referida em inglês como twice exceptional ou 2e – caracteriza indivíduos que apresentam simultaneamente altas habilidades/superdotação e alguma condição que envolve um déficit ou transtorno do neurodesenvolvimento. Em outras palavras, são pessoas com capacidades cognitivas excepcionalmente elevadas em uma ou mais áreas, combinadas a condições como Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), entre outras. No contexto deste artigo, focaremos principalmente nos perfis em que convergem autismo e superdotação ou TDAH e superdotação, embora o conceito de dupla excepcionalidade também abranja combinações com dislexia, discalculia, dificuldades de aprendizagem e outras condições.

 

O termo “dupla excepcionalidade” implica que tais indivíduos são excepcionais em dois sentidos: pelo alto potencial intelectual e pelas necessidades especiais decorrentes de sua condição neurodivergente. Historicamente, a literatura sobre superdotação e neurodiversidade concentrou-se sobretudo no público infantil e adolescente. Com isso, muitos adultos duplamente excepcionais permaneceram invisíveis ou incompreendidos, seja por nunca terem sido identificados formalmente como superdotados, seja por terem tido seu autismo ou TDAH subdiagnosticado ao longo da vida. De fato, pesquisas indicam que uma parcela significativa dessas pessoas chega à vida adulta sem diagnóstico: por exemplo, estima-se que até 90% dos superdotados adultos nunca tenham sido identificados na infância, o que os torna suscetíveis a problemas de adaptação e saúde mental na vida adulta. Além disso, mesmo entre aqueles diagnosticados ainda na infância com uma condição (como autismo ou TDAH), não raro o alto potencial cognitivo passa despercebido – e vice-versa.

 

Essa dificuldade de identificação na infância se deve a vários fatores. Características intelectuais excepcionais podem mascarar sinais de autismo ou TDAH (a criança superdotada aprende a compensar suas dificuldades, escondendo-as dos adultos), ou então os sintomas do transtorno podem ofuscar o talento (a criança com TDAH pode ser vista apenas como “problemática”, sem que suas habilidades se sobressaiam no ambiente escolar). Em alguns casos, ambas as excepcionalidades permanecem ocultas, fazendo com que o indivíduo atravesse a juventude sem reconhecimento nem suporte adequado. Não surpreende, portanto, que muitos só venham a descobrir sua dupla excepcionalidade na vida adulta – frequentemente motivados por eventos como a avaliação de um filho (que leva os pais a se reconhecerem) ou por uma busca pessoal de explicações para suas vivências e dificuldades até então atribuladas.

 

Este artigo tem como propósito oferecer uma visão abrangente e aprofundada sobre a dupla excepcionalidade em adultos autistas e/ou com TDAH que também possuem altas habilidades ou superdotação. Discutiremos os principais perfis que combinam essas características, suas traços comuns, desafios enfrentados e pontos fortes, bem como questões relacionadas ao diagnóstico (incluindo subdiagnóstico e diagnóstico tardio). Exploraremos os impactos na vida adulta – nos estudos, trabalho, relacionamentos, saúde mental e construção da identidade – e forneceremos orientações práticas para o autoconhecimento, a busca de diagnóstico e estratégias de adaptação no dia a dia, incluindo formas de advocacy (defesa de direitos e necessidades). A linguagem adotada é clara e acessível, porém tecnicamente embasada, de modo a dialogar diretamente com leitores neurodivergentes adultos no Brasil, combinando empatia e informação qualificada.

 

Ao longo do texto, apresentaremos dados de pesquisas recentes, estudos de caso e diretrizes especializadas, com ênfase em fontes confiáveis (artigos científicos, publicações acadêmicas, diretrizes institucionais e obras de referência). Vale notar que privilegiamos, sempre que possível, referências brasileiras ou que reflitam a realidade brasileira, de forma a contextualizar a dupla excepcionalidade no nosso país. Esperamos, assim, que este artigo funcione como um guia de qualidade monográfica, auxiliando adultos autistas e/ou com TDAH e altas habilidades – inclusive aqueles em processo de investigação ou autodescoberta – a compreender melhor a si mesmos e buscar suporte adequado.

 

 

 

O que é dupla excepcionalidade?

 

O conceito de dupla excepcionalidade aplica-se quando um indivíduo apresenta altas habilidades/superdotação (AH/SD) concomitantemente a algum tipo de deficiência, transtorno do desenvolvimento ou diferença significativa que também demanda atenção especial. Em termos práticos, isso significa reconhecer que uma mesma pessoa pode ser simultaneamente superdotada e neurodivergente, possuindo talentos excepcionais e dificuldades acentuadas ao mesmo tempo. Essa noção desafia a ideia, ainda comum, de que “se alguém tem um transtorno, não pode ser superdotado” e vice-versa. De fato, a baixa conscientização sobre a dupla excepcionalidade e o mito de exclusão mútua (acreditar que altas habilidades e transtornos não coexistem) contribuem para que muitos casos passem despercebidos.

 

Segundo a literatura, é possível haver dupla excepcionalidade em diversas combinações: superdotação intelectual e TDAH, superdotação e autismo (incluindo Síndrome de Asperger, que corresponde aos quadros de autismo leve nível 1), superdotação e dislexia, superdotação e transtornos de processamento auditivo ou visual, entre outros. Para fins deste artigo, destacaremos as duas combinações mais pesquisadas e relevantes no contexto de adultos neurodivergentes: Altas Habilidades + Autismo e Altas Habilidades + TDAH. Cabe ressaltar, entretanto, que em alguns casos o indivíduo pode apresentar tríplice excepcionalidade (por exemplo, autismo, TDAH e superdotação ao mesmo tempo), tornando o perfil ainda mais complexo – embora a pesquisa sobre ocorrências múltiplas assim seja escassa e além do escopo principal aqui.

 

Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) é a denominação usada no Brasil para pessoas com desempenho muito acima da média em uma ou mais áreas do potencial humano – incluindo inteligência geral, habilidades acadêmicas específicas, liderança, artes ou psicomotricidade. Essas pessoas costumam apresentar grande criatividade, envolvimento em aprendizagem e capacidade de resolver problemas de forma inovadora. Estimativas indicam que entre 2% a 5% da população geral podem ser consideradas superdotadas. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996) inclui alunos com altas habilidades no âmbito da educação especial, garantindo-lhes direito a atendimento educacional especializado assim como aos estudantes com deficiências e transtornos globais do desenvolvimento. Ainda assim, a identificação formal da superdotação costuma ocorrer majoritariamente no ambiente escolar e frequentemente depende de avaliações especializadas nem sempre acessíveis a todas as famílias. O resultado é uma subnotificação significativa: por exemplo, embora projeções sugiram haver cerca de 4 milhões de superdotados no Brasil (aprox. 2% da população), apenas cerca de 26 mil alunos estavam identificados na educação básica em 2022. Ou seja, menos de 1% dos alunos foram oficialmente reconhecidos, um número muito aquém do esperado – revelando que muitos superdotados passam pelos estudos sem diagnóstico ou apoio.

 

Dentro desse universo de altas habilidades, a dupla excepcionalidade ocorre quando coexiste um transtorno ou condição diagnosticável. Autismo e TDAH são exemplos clássicos, mas não os únicos. No caso do Transtorno do Espectro Autista (TEA), trata-se de uma condição neurodesenvolvimental caracterizada por diferenças na comunicação social, padrões de comportamento repetitivo e interesses específicos intensos, frequentemente acompanhada de sensibilidades sensoriais. Já o TDAH se caracteriza por níveis clinicamente significativos de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade, impactando o funcionamento diário desde a infância. Ambos os transtornos são heterogêneos em sua apresentação, variando de leves a mais impactantes, o que significa que podem passar despercebidos em indivíduos de alta inteligência, especialmente se desenvolveram estratégias de coping que mascaram seus sintomas.

 

Importante frisar que a dupla excepcionalidade não configura um diagnóstico separado – ou seja, não existe um código específico no DSM ou CID para “superdotação + autismo” ou “superdotação + TDAH”. O que ocorre na prática é a sobreposição de dois eixos de avaliação: de um lado, o indivíduo satisfaz critérios diagnósticos de um transtorno; de outro, demonstra capacidades excepcionalmente altas em certo domínio. Essa combinação gera perfis atípicos e irregulares, com contrastes acentuados entre pontos fortes e fracos. Profissionais devem, portanto, ter sensibilidade para enxergar além das aparências unilaterais – isto é, reconhecer sinais de um transtorno em uma pessoa de desempenho brilhante, ou identificar a superdotação em alguém que apresenta uma condição neurodivergente. Infelizmente, nem sempre isso acontece. Como discutiremos adiante, ainda prevalece a tendência de tratar o caso pelo primeiro rótulo obtido (ou apenas pela deficiência, ou apenas pela superdotação), deixando a segunda excepcionalidade negligenciada.

 

Em suma, dupla excepcionalidade significa duas realidades convivendo: habilidades muito acima da média e desafios significativos de ordem neurodesenvolvimental. É uma situação complexa que desafia modelos tradicionais de identificação e intervenção, exigindo abordagens multidisciplinares e individualizadas. Para entender melhor essas nuances, exploraremos a seguir os principais perfis de dupla excepcionalidade envolvendo autismo e TDAH, delineando características comuns, dificuldades e fortalezas.

 

 

 

Perfis de dupla excepcionalidade envolvendo autismo, TDAH e superdotação

Embora cada pessoa duplamente excepcional seja única, a literatura e a prática clínica têm observado certos perfis típicos quando falamos de autismo + superdotação e de TDAH + superdotação. A seguir, descrevemos esses perfis combinados, ressaltando como as características de cada condição podem interagir.

 

 

Autismo e altas habilidades (TEA + superdotação)

 

Quando uma pessoa autista é também intelectualmente superdotada, formam-se perfis às vezes chamados de “Asperger superdotado” (lembrando que Asperger corresponde ao autismo leve, conforme terminologia do DSM-IV) ou simplesmente adultos autistas de alto QI. Estudos indicam que há uma proporção significativa de indivíduos no espectro autista que possuem inteligência média ou acima da média – alguns inclusive em nível de superdotação. Guimarães e Alencar (2012), por exemplo, apontam que muitos autistas (especialmente aqueles de nível 1, anteriormente Síndrome de Asperger) apresentam desempenhos intelectuais elevadíssimos, caracterizando casos de dupla excepcionalidade. Não por acaso, personalidades como Temple Grandin (autista com doutorado e inventor), ou mesmo figuras históricas como Albert Einstein e Isaac Newton, têm sido relacionadas a esse perfil – embora no caso dos últimos não haja diagnósticos formais, ilustra a ideia de autismo coexistindo com genialidade. Um estudo conduzido por Agrela et al. (2021) concluiu inclusive que “muitos Aspergers são superdotados, mas nem todos superdotados são Aspergers”, sugerindo uma interseção considerável entre as duas populações apesar de serem condições distintas.

 

Nos autistas superdotados, algumas características de ambos os espectros se combinam de forma singular. Por exemplo, é comum haver um hiperfoco intenso em áreas de interesse específico – algo típico do autismo – aliado a uma capacidade incomum de aprofundamento naquele tópico – fruto da inteligência elevada. Esses indivíduos podem desenvolver conhecimento enciclopédico em suas paixões (sejam datas históricas, programação, literatura, matemática avançada etc.) e demonstrar habilidades prodigiosas em tarefas relacionadas a essas áreas. Academicamente, tendem a exibir um desempenho excelente em matérias de seu interesse (com escores muito acima da média em testes de leitura, linguagem, lógica ou matemática), conforme observado em estudos com superdotados no espectro autista. Ao mesmo tempo, podem apresentar déficits marcantes em outras áreas: frequentemente há discrepâncias entre habilidades verbais e não-verbais versus habilidades de processamento de informação. Foley-Nicpon et al. (2012) verificaram que jovens autistas superdotados possuíam capacidades verbais e não-verbais muito acima da média, mas memória de trabalho e velocidade de processamento significativamente menores. Ou seja, podem raciocinar brilhantemente em problemas complexos, mas demorar em tarefas simples ou ter dificuldades com multitarefa, organização e tempo – um perfil cognitivo irregular.

 

Uma marca registrada desse perfil é a assincronia no desenvolvimento: socialmente e emocionalmente, o indivíduo pode apresentar atrasos ou peculiaridades típicas do autismo, enquanto intelectualmente está anos à frente. Essa combinação pode levar a sentimentos de frustração e isolamento. Imagine alguém capaz de discutir física quântica ou filosofia com profundidade, mas que ao mesmo tempo tem dificuldade de participar de uma conversa casual ou entender ironias sociais – este descompasso é a realidade de muitos autistas superdotados. Conforme nota Neihart (2000), comparando crianças superdotadas típicas com aquelas com Síndrome de Asperger, estas últimas frequentemente têm padrões de fala pedantes, linguagem formal e atonal, em contraste com a fala mais espontânea dos superdotados não-autistas. Também tendem a resistir a mudanças de rotina de forma mais rígida, apresentando baixa tolerância a alterações, diferentemente de superdotados neurotípicos que podem se adaptar melhor. No convívio social, autistas superdotados muitas vezes têm consciência limitada de suas diferenças – podem não compreender por que não se encaixam, enquanto superdotados não-autistas geralmente percebem que são diferentes e conseguem ajustar-se um pouco melhor. Há, portanto, características peculiares: humor, interação e coordenação motora podem se mostrar inapropriados ou desajeitados no caso da dupla excepcionalidade, mesmo frente a um intelecto notável.

 

Uma consequência dessas nuances é a confusão diagnóstica. Educadores e profissionais podem hesitar entre rotular o aluno como autista ou superdotado, já que várias características se sobrepõem. Por exemplo, tanto crianças autistas quanto crianças superdotadas podem exibir foco intenso em assuntos específicos, dificuldade em fazer amigos da mesma idade e problemas de adaptação no ambiente escolar. São comportamentos que “fogem do desenvolvimento típico” de formas diferentes, mas que no cotidiano podem parecer semelhantes. Assim, há casos em que uma criança autista superdotada é inicialmente identificada apenas como superdotada (ignorando-se os sinais de TEA), ou o contrário – identificada como autista sem reconhecimento das altas habilidades. Foley-Nicpon et al. (2011) ressaltam que muitas crianças acabam mal diagnosticadas: rotuladas só com superdotação ou só com Asperger, quando deveriam receber ambos os diagnósticos, ou às vezes sendo consideradas 2e erroneamente pela dificuldade em distinguir o que é traço do autismo e o que é traço do perfil superdotado.

 

Em adultos, o perfil autista superdotado pode se manifestar de formas variadas. Alguns conseguem brilhar em carreiras altamente especializadas que se alinham a seus interesses (por exemplo, pesquisa científica, tecnologia, artes), aproveitando a capacidade de hiperfoco e pensamento sistêmico do autismo junto com a criatividade e raciocínio elevado da superdotação. Outros, porém, enfrentam dificuldades em contextos profissionais mais convencionais, especialmente devido a desafios sociais e organizacionais. Relatos clínicos apontam que adultos nessa condição podem ter históricos acadêmicos irregulares: alguns acumulam títulos universitários e pós-graduações em áreas de interesse (como no estudo de caso brasileiro de um adulto 2e de 51 anos que possuía duas graduações e três pós-graduações), enquanto outros podem ter abandonado trajetórias promissoras por não conseguirem lidar com aspectos executivos (cumprimento de prazos, trabalho em equipe, burocracia) ou por desmotivação quando não estimulados em seu potencial. Em situações sociais e afetivas, é comum a queixa de “sentir-se de outro planeta” – muitos adultos autistas superdotados relatam desde cedo uma sensação de desconexão em relação aos pares, por terem interesses incomuns e maneiras atípicas de se expressar. Podem ter dificuldades em relacionamentos íntimos devido a peculiaridades de comunicação e necessidades de rotina, a despeito de possuírem grande empatia em nível profundo ou senso de justiça aguçado (traços tanto de autismo quanto da sensibilidade elevada comumente associada a superdotação).

 

Em suma, o perfil TEA + superdotação configura uma personalidade de contrastes acentuados: intelecto potente, criatividade e conhecimento amplo convivendo com dificuldades sociais, sensoriais e adaptativas. Esses indivíduos podem trazer contribuições únicas nas áreas em que se especializam, pela forma original e intensa com que pensam, mas necessitam de compreensão e suporte para manejar suas vulnerabilidades. Identificar corretamente a dupla excepcionalidade é crucial para que recebam intervenções adequadas – tanto estímulo ao talento quanto apoio para suas necessidades autísticas. Programas educacionais que equilibrem atividades desafiadoras e adaptações para as dificuldades mostraram-se os mais eficazes para desenvolver o potencial dessas pessoas. Sem esse olhar duplo, corremos o risco de desperdiçar talentos excepcionais ou agravar o sofrimento dessas pessoas (voltaremos a isso ao falar de desafios e saúde mental).

 

 

TDAH e altas habilidades (TDAH + superdotação)

 

No caso da combinação de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) com altas habilidades, o perfil também apresenta características peculiares. Crianças e adultos com TDAH + superdotação costumam ser descritos como extremamente criativos, curiosos e cheios de ideias, porém enfrentando dificuldades para se organizar, manter atenção em tarefas rotineiras ou cumprir prazos. É como se houvesse uma mente brilhante "dirigindo um carro com freios defeituosos" – a pessoa enxerga soluções inovadoras e pensa “fora da caixa”, mas tem tropeços na execução devido aos sintomas do TDAH. Marcy Caldwell, psicóloga que trabalha com adultos 2e, ilustra que é como ter “um maestro genial regendo um sinfônico de fogos de artifício enquanto ao mesmo tempo persegue uma borboleta travessa”, sugerindo a mistura de intelecto elevado, criatividade exuberante e uma pitada de caos que caracteriza esses indivíduos.

 

Pesquisas populacionais sugerem que o TDAH e a superdotação coocorrem mais do que se imaginava. Um grande estudo italiano de 2023, por exemplo, avaliando quase 1.000 crianças com diagnóstico de TDAH, encontrou cerca de **8,6% de casos de dupla excepcionalidade (TDAH + superdotação)**. Isso indica que a prevalência de altas habilidades entre crianças com TDAH foi maior do que na população em geral, contrariando a crença de que seriam grupos mutuamente exclusivos. Inversamente, entre crianças superdotadas com baixo desempenho escolar, mais de 50% apresentavam indicadores de TDAH em triagens feitas com professores, e quase 1 em cada 3 tinham sinais de TDAH segundo os pais, em um estudo holandês de 2021. Tais números reforçam que muitos indivíduos podem pertencer a ambos os grupos simultaneamente, mesmo que nem sempre sejam identificados como tais.

 

No dia a dia, o adulto TDAH superdotado frequentemente lida com uma dinâmica interna muito intensa. Do lado das fortalezas, destacam-se a capacidade de raciocínio rápido, o pensamento hiperassociativo e a solução criativa de problemas. Esses adultos costumam "pensar em mil direções ao mesmo tempo", fazendo conexões incomuns entre ideias e gerando projetos originais. Quando algo desperta seu interesse genuíno, eles conseguem entrar em hiperfoco – um estado de concentração profunda e produtiva – dedicando horas a fio a uma atividade e produzindo resultados impressionantes. Essa habilidade de hiperfoco no 2e muitas vezes é ainda mais acentuada do que em indivíduos com TDAH sem superdotação, permitindo conquistas significativas em áreas de paixão (por exemplo, aprender uma linguagem de programação em tempo recorde, dominar um instrumento musical de forma autodidata, resolver um problema complexo no trabalho de forma inovadora etc.).

 

No entanto, as fraquezas ou desafios são igualmente acentuados. As características nucleares do TDAH – desatenção, impulsividade, dificuldade de planejamento, desorganização temporal – podem impedir que toda essa capacidade seja traduzida em realizações consistentes. É comum ouvir desses indivíduos frases como: “Você tem tanto potencial, mas...”. Muitos passaram a infância e adolescência ouvindo que eram brilhantes porém preguiçosos, inteligentes mas indisciplinados. Isso porque, apesar de compreenderem facilmente conceitos complexos, tinham cadernos caóticos, esqueciam tarefas, procrastinavam projetos importantes ou perdiam o interesse rápido em atividades monótonas. Na vida adulta, a cena se repete: ideias brilhantes de negócios que nunca saem do papel, talento para criar soluções no trabalho mas dificuldade em cumprir horários e entregar relatórios, capacidade de conversar sobre inúmeros assuntos mas propensão a distrações que atrapalham a continuidade dos objetivos. Em resumo, o TDAH impõe barreiras executivas à expressão plena da superdotação, tornando a vida dessas pessoas um paradoxo entre o “saber/pensar” e o “fazer”. Um artigo descreve de forma enfática: *“Ser 2e com TDAH é ter um caminhão de ideias brilhantes que nunca chegam ao destino”*.

 

Alguns traços distintivos do perfil TDAH + AH que aparecem na literatura incluem:

 

  • Multitarefa e busca de estimulação: Adultos 2e com TDAH tendem a assumir múltiplos projetos simultaneamente, alternando entre tarefas para manter o nível de estimulação mental. Isso pode resultar em picos de produtividade (quando conseguem aproveitar a versatilidade) mas também em sobrecarga e projetos inacabados.

 

  • Estilo cognitivo não-linear: O pensamento desses indivíduos é muitas vezes descrito como “arborescente” ou curvilíneo, com inúmeras ramificações de ideias brotando a partir de um ponto central. Isso leva a insights originais e conexões que passam despercebidas a outros, mas também pode dificultar a apresentação estruturada de suas ideias ou a concentração em um caminho só.

 

  • Impulsividade criativa: A impulsividade, marca do TDAH, quando aliada à criatividade e alta cognição, pode torná-los “inovadores impulsivos” – eles pulam etapas tradicionais e experimentam abordagens novas de supetão, o que às vezes gera descobertas valiosas e outras vezes fracassos por falta de refinamento. Essa disposição ao novo é um trunfo em áreas que valorizam inovação, mas pode ser problemática em tarefas que exigem aderir a protocolos.

 

  • Hipersensibilidade e sobre-excitabilidade: Muitos superdotados com TDAH compartilham a chamada sobre-excitabilidade em campos variados (intelectual, emocional, sensorial) descrita por Dabrowski. Eles podem ter reações emocionais intensas e percepção sensorial aguçada, ficando facilmente entediados com situações de baixo estímulo e, ao mesmo tempo, facilmente sobrecarregados em ambientes muito restritivos ou exigentes. Essa busca constante por novidade e significado pode levar a mudanças frequentes de emprego, hobby ou foco de estudo, na tentativa de evitar a estagnação.

 

Assim como no autismo, há problemas de identificação. Sintomas de TDAH podem ser confundidos com traços da própria superdotação e vice-versa. Por exemplo, uma criança superdotada desatenta e entediada na aula pode ser vista como tendo TDAH, quando na verdade está subestimulada. Ou uma criança com TDAH que hiperfoca em um assunto de interesse e demonstra conhecimento avançado pode ser vista apenas como superdotada, mascarando suas dificuldades reais. De fato, “os sintomas das duas condições muitas vezes se confundem, tornando o diagnóstico diferencial muito difícil”. Há casos de diagnósticos equivocados em ambos os sentidos: superdotados recebendo diagnóstico de TDAH sem ter (apenas por comportamentos incompatíveis com aulas pouco desafiadoras), e indivíduos com TDAH tendo sua alta habilidade ignorada por focarmos só no déficit. Somente uma avaliação neuropsicológica abrangente consegue destrinchar essas nuances, avaliando separadamente o quociente intelectual, funções executivas, atenção, memória e outras habilidades. Recomenda-se, por exemplo, que sempre que se suspeite de dupla excepcionalidade, o indivíduo seja submetido tanto a testes de inteligência quanto a escalas formais de sintomas (como testes de atenção, funções executivas, etc.), para mapear onde estão os pontos fortes e fracos.

 

No adulto TDAH superdotado, os impactos variam. Alguns conseguem canalizar sua energia e inteligência para carreiras criativas ou empreendedoras, onde a multitarefa e o pensamento inovador são valorizados – muitos se tornam inventores, empresários ou profissionais autônomos de sucesso, precisamente porque “pensam diferente” e não suportariam trabalhos convencionais repetitivos. Outros, entretanto, vivenciam ciclos de frustração e baixo desempenho crônico: têm qualificações acadêmicas elevadas mas não conseguem se manter em empregos, ou vivem procrastinando metas pessoais (escrever um livro, terminar um mestrado, iniciar um negócio) por autossabotagem executiva. A autocrítica costuma ser feroz; perfeccionismo combinado com impulsividade pode gerar ansiedade e depressão pela sensação de “falhar em atingir meu potencial”. De fato, estudos mostram que diagnósticos incorretos ou tardios nesse grupo estão associados a baixa autoestima, isolamento social, sintomas depressivos e ansiosos e desempenho aquém do esperado, afetando a saúde mental dos indivíduos. Vamos aprofundar esses aspectos mais adiante.

 

Em síntese, o perfil TDAH + superdotação traz grande potencial criativo e intelectual, porém sob risco de desperdício de talento se não houver estratégias de manejo adequadas. A chave está em reconhecer simultaneamente as necessidades especiais (terapeutas e coaches podem ajudar com organização, manejo de tempo, técnicas para manter o foco) e as capacidades excepcionais (desafiando-o intelectualmente, permitindo autonomia criativa, flexibilizando ambientes rígidos). Com o apoio correto, muitos 2e com TDAH conseguem transformar aquele “caos organizado” cerebral em inovações concretas e trajetórias de sucesso peculiares – trilhando caminhos não convencionais, mas brilhantes à sua maneira.

 

 

 

Características comuns, desafios e pontos fortes

Apesar das diferenças entre os perfis de autismo + AH e TDAH + AH, há características gerais que muitos adultos duplamente excepcionais compartilham. Nesta seção, sintetizamos alguns traços recorrentes, bem como os desafios típicos enfrentados e os pontos fortes a serem valorizados.

 

 

Traços cognitivos e comportamentais frequentes

 

  • Perfil cognitivo desigual (assincronia): Pessoas 2e tendem a apresentar habilidades muito desenvolvidas em certas áreas e abaixo da média em outras. Por exemplo, podem ter vocabulário riquíssimo e pensamento abstrato extraordinário, mas baixa memória operacional ou lentidão em processar rotinas simples. Essa discrepância às vezes é medida em testes padronizados – frequentemente há diferenças significativas entre índices intelectuais (como QI verbal bem superior ao QI de processamento, ou vice-versa). Essa irregularidade também se manifesta no comportamento: o adulto 2e pode alternar entre momentos de altíssima competência e outros de extrema dificuldade, confundindo colegas e familiares sobre “como alguém tão inteligente pode falhar nisso?”.

 

  • Hiperfoco e fluxo: Quando engajados em uma tarefa de seu interesse, indivíduos 2e frequentemente atingem estados de concentração intensa, esquecendo-se do mundo ao redor. Esse hiperfoco é relatado tanto em autistas quanto em pessoas com TDAH, sendo quase um “superpoder” quando bem direcionado. Projetos complexos podem ser levados a cabo em tempo recorde sob hiperfoco. Por outro lado, desligar desse estado pode ser difícil – compromissos podem ser perdidos e necessidades básicas (comer, descansar) negligenciadas enquanto a pessoa está imersa.

 

  • Superestimulação mental (“mente acelerada”): Muitos adultos duplamente excepcionais descrevem sua mente como “sempre ligada no 220V”. Pensamentos múltiplos ocorrem em paralelo, há uma fluxo constante de ideias e questionamentos. Esse pensamento acelerado e divergente é fonte de criatividade e insight, mas também pode ser exaustivo e contribuir para ansiedade. Como disse um autor, *“A hiperatividade mental dos superdotados pode ser extenuante; sua cabeça é como uma árvore com muitos galhos representando ideias”*. Aprender técnicas de mindfulness ou foco atencional pode ser necessário para não se perder nesse turbilhão mental.

 

  • Sentimento de diferença e inadequação: Quase todos os relatos de adultos 2e trazem uma sensação persistente de ser “diferente dos outros”. Na infância, muitos se sentiram “o estranho”, seja pela forma elevada de falar/pensar ou pelos comportamentos atípicos; na vida adulta, isso pode evoluir para isolamento social ou busca por pares intelectuais/neurodivergentes. Essa percepção pode afetar a autoestima – alguns oscilam entre se sentirem superiores intelectualmente e, ao mesmo tempo, inferiores ou incapazes para coisas básicas da vida, gerando confusão identitária. Como consequência, é comum que convivam com o medo de não corresponder às expectativas (próprias ou alheias), levando a perfeccionismo e autocrítica severa.

 

  • Intensidade emocional e sensorial: Pessoas duplamente excepcionais geralmente experimentam emoções de forma amplificada. Podem ter reações emocionais intensas, alta empatia e também serem profundamente afetadas por injustiças ou dores alheias. Do lado sensorial, muitos relatam hiper-sensibilidades (barulhos incômodos, texturas de roupas, cheiros fortes) similares às vistas no TEA, bem como uma apreciação estética e sensorial aguçada (perceber sutilezas em artes, sabores, natureza) relacionada à superdotação. Essa intensidade, apesar de enriquecedora, pode tornar o indivíduo mais vulnerável a sobrecargas emocionais e a oscilações de humor. Termos como “overexcitabilidade” (superexcitabilidade) de Dabrowski englobam esses traços emocionais e sensoriais exacerbados frequentemente encontrados em superdotados – e que, combinados a um transtorno neurodivergente, podem duplicar o desafio de autorregulação.

 

 

 

Desafios e dificuldades comuns

 

  • Identificação tardia ou incorreta: Como já discutido, muitos adultos 2e só foram se entender enquanto tais tardiamente. Esse diagnóstico/identificação tardia significa que passaram boa parte da vida sem as acomodações ou entendimento necessários. Alguns foram tachados de “preguiçosos, rebeldes ou esquisitos” na escola e família, internalizando esses rótulos negativos. A falta de reconhecimento adequado pode gerar traumas e ressentimentos: “se eu tivesse sido diagnosticado antes, minha vida teria sido diferente” é um lamento comum. Além disso, diagnósticos equivocados ocorrem – há quem tenha sido medicado para TDAH sendo apenas superdotado entediado, ou quem tenha sido considerado apenas ansioso quando também era autista, por exemplo. Essas trajetórias de subdiagnóstico e erro diagnóstico trazem consequentes perdas em intervenções precoces e adaptativas.

 

  • Vida acadêmica nem sempre bem-sucedida: Ao contrário do estereótipo de que superdotados acumulam prêmios acadêmicos, muitos 2e tiveram históricos escolares irregulares. A literatura aponta que sem suporte individualizado, alunos superdotados com transtornos podem apresentar rendimento insuficiente e baixo autoconceito ao longo da escolarização. Alguns foram “alunos problema”, outros alunos invisíveis (passavam de ano mas aquém de seu potencial). No ensino superior, podem ter havido desistências ou trocas de curso frequentes. Em adultos, isso se reflete em currículos truncados: gente extremamente inteligente sem diploma, ou com formação elevada mas trajetórias zigzagueantes.

 

  • Dificuldades no trabalho: No ambiente profissional, adultos 2e podem enfrentar desafios de ajuste. Problemas recorrentes incluem: desorganização com prazos e tarefas burocráticas, dificuldade de trabalhar em equipe (especialmente se hierarquias rígidas e regras tacanhas entrarem em conflito com sua visão independente), tédio em empregos abaixo de sua capacidade (podendo levar à procrastinação ou abandono), e conflitos interpessoais por diferenças de comunicação ou sensibilidade. Muitos relatam frustração por serem subaproveitados ou incompreendidos pelos chefes – ideias inovadoras sendo descartadas, ou críticas recebidas por “atitudes pouco profissionais” (que na verdade derivam de suas condições, como esquecer reuniões ou evitar situações sociais no trabalho). Em casos graves, isso pode levar a desemprego crônico ou subemprego, contribuindo para sensação de fracasso.

 

  • Relacionamentos e vida social: Formar e manter amizades e relacionamentos íntimos pode ser desafiador. A sensação de não pertencer pode dificultar conexão com pessoas de interesses comuns. Alguns 2e buscam deliberadamente a companhia de outros neurodivergentes ou intelectualmente equivalentes, onde se sentem mais à vontade. Ainda assim, há riscos de isolamento, especialmente se experiências prévias de bullying, incompreensão ou gaslighting (serem invalidados em seus sentimentos e particularidades) marcaram sua história. No contexto amoroso, diferenças podem causar atritos – p.ex., uma pessoa 2e pode precisar de mais espaço e tempo sozinha para se hiperfocar em seus projetos, ou ter manias e sensibilidades que parceiros neurotípicos acham difíceis de lidar. Comunicação clara sobre essas necessidades nem sempre é fácil, e infelizmente alguns acabam em relacionamentos abusivos ou frustrantes por não serem compreendidos em sua dualidade.

 

  • Saúde mental: Uma soma de fatores – pressão interna e externa para corresponder às expectativas, histórico de incompreensão, dificuldades de adaptação e, em alguns casos, predisposições neuroquímicas – coloca os adultos duplamente excepcionais em risco maior de problemas de saúde mental. Estudos e relatos mencionam índices elevados de ansiedade, depressão, ideação suicida, esgotamento e baixa autoestima nesse grupo. Em parte, isso resulta do isolamento social e sensação de inadequação prolongada. Também advém do estresse crônico de lidar com as exigências do dia a dia que para eles podem ser muito maiores (imaginem o esforço para um TDAH superdotado manter sua mente sob controle num trabalho repetitivo – é exaustivo; ou para um autista superdotado navegar políticas de escritório). Sem suporte, a saúde mental pode deteriorar. É comum adultos 2e buscarem terapia já em estado de exaustão, às vezes com diagnóstico de burnout ou transtornos de humor, sem terem ainda identificado a raiz neurodivergente/gifted de seus padrões.

 

Vale frisar que muitos desses desafios não decorrem da dupla excepcionalidade em si, mas da falta de compreensão e apoio do ambiente. Quando adequadamente atendidas suas necessidades, pessoas 2e podem prosperar. Contudo, até recentemente, a maioria teve que “se virar” sozinha, enfrentando rótulos simplistas. A identificação correta e intervenções apropriadas têm potencial de prevenir ou mitigar grande parte dessas dificuldades.

 

 

 

Pontos fortes e potencialidades

 

Ser duplamente excepcional não é só desafio – há também grandes pontos fortes a serem celebrados e estimulados:

  • Capacidade analítica e solucionadora de problemas: Adultos 2e frequentemente brilham ao enfrentar problemas complexos. Sua habilidade de ver o problema de múltiplos ângulos, aliada a pensamento original, permite soluções fora do comum. Empresas de tecnologia, pesquisa científica e artes costumam valorizar esses “pensadores divergentes” que encontram conexões inusitadas. Na história, muitas inovações vieram de indivíduos que poderíamos hoje classificar como 2e – pessoas com quirks pessoais mas genialidade técnica ou artística.

 

  • Criatividade e originalidade elevadas: A junção de um cérebro neurodivergente (que já tende a funcionar de modo não convencional) com alta capacidade intelectual resulta em altíssimo potencial criativo. Seja na ciência, na escrita, na arte ou na resolução de problemas cotidianos, essas pessoas costumam fugir do pensamento comum e propor ideias inéditas. Relatos de colegas às vezes descrevem que trabalhar com um 2e “é desafiador mas recompensador, pois eles pensam no que ninguém mais pensou”.

 

  • Aprendizado rápido e auto direcionado: Quando motivados, indivíduos duplamente excepcionais conseguem aprender sozinhos e rapidamente assuntos de interesse. Muitos são polímatas (dominam diversas áreas) ou autodidatas competentes. Essa sede de conhecimento pode tornar a vida deles muito rica – são pessoas que leem avidamente, exploram hobbies complexos, adquirem habilidades incomuns. Como a educação formal nem sempre contemplou suas necessidades, muitos se acostumaram a “educar a si mesmos”.

 

  • Perseverança em interesses e detalhismo: Ao contrário da crença de que TDAH ou autistas não conseguem se dedicar, quando a tarefa se alinha ao hiperfoco de interesse, eles demonstram persistência e minúcia impressionantes. Um projeto alinhado com sua paixão pode ser levado ao nível da excelência, pois investem tempo e energia sem poupar esforços. Isso os torna especialistas profundos em nichos específicos – fonte de inovação e conhecimento profundo que poucos possuem.

 

  • Elevada consciência ética ou senso de justiça: Muitos adultos 2e carregam um forte senso de moralidade, empatia e justiça. Seja pelo lado autista (frequente preocupação com regras justas e verdade) ou pelo lado sensível da superdotação (alta empatia e pensamento global), tendem a se importar genuinamente com causas sociais, ambientais e com o bem-estar dos outros. Isso faz com que sejam valiosos em papéis de liderança ética, advocacia de direitos e iniciativas humanitárias, pois trazem autenticidade e visão de longo prazo.

 

  • Habilidades especializadas: Alguns desenvolvem verdadeiras ilhas de excelência, como dons musicais, artísticos ou matemáticos de alto nível. Nesses campos restritos, eles competem de igual para igual (ou superam) indivíduos neurotípicos talentosos, podendo alcançar realizações notáveis. Quando encontram um nicho profissional ou de pesquisa que corresponda a essas habilidades, tendem a se destacar muito rapidamente.

 

Em síntese, os pontos fortes dos duplamente excepcionais são a outra face de seus desafios. A mesma mente que se distrai em trivialidades, exibe genialidade em criar; a mesma pessoa que tem dificuldade em socializar, demonstra profunda compaixão e lealdade nos relacionamentos que estabelece; quem se angustiava por não caber nos moldes, acaba por inovar precisamente por pensar diferente. Aproveitar esses pontos fortes ao máximo requer autoconhecimento e ambientes favoráveis, como discutiremos nas seções de orientação a seguir.

 

 

 

Contexto diagnóstico: identificação e subdiagnóstico

 

A avaliação diagnóstica de pessoas com dupla excepcionalidade é reconhecidamente complexa. Conforme vimos, sinais de superdotação podem mascarar sintomas de transtornos e vice-versa, o que demanda dos profissionais um olhar treinado e multidisciplinar. Nesta seção, abordamos como geralmente ocorre (ou deveria ocorrer) o processo diagnóstico, quais são as dificuldades envolvidas e por que tantos casos passam despercebidos ou são identificados erroneamente.

 

 

Dificuldades na identificação e diagnóstico diferencial

 

Identificar dupla excepcionalidade implica, basicamente, identificar duas coisas simultaneamente: (1) as altas habilidades/superdotação e (2) o transtorno ou condição associada (p.ex., TEA ou TDAH). Cada um desses elementos, isoladamente, já apresenta desafios diagnósticos; juntos, constituem um verdadeiro desafio.

 

Um primeiro problema é que, na prática, predomina a identificação de apenas uma das excepcionalidades. Estudos apontam três cenários comuns de subdiagnóstico: (1) o indivíduo é reconhecido como superdotado, mas sua deficiência/transtorno passa despercebido; (2) ele é diagnosticado com um transtorno, mas seu alto potencial não é notado; ou (3) nenhum dos dois é identificado, e o indivíduo segue sem qualquer reconhecimento especial. Vários autores relatam que, usualmente, só a deficiência acaba identificada – ou seja, a pessoa 2e é mais propensa a obter (mais cedo) um diagnóstico de autismo ou TDAH, pois essas condições chamam atenção por causarem dificuldades, enquanto a superdotação requer um olhar mais proativo para ser descoberta. Além disso, o sistema educacional e de saúde frequentemente atua reativamente: se a criança vai mal ou tem comportamentos-problema, investiga-se TDAH/autismo; se ela vai bem demais, investiga-se superdotação – mas quando o quadro é misto (vai mal e bem em áreas diferentes), fica-se num limbo.

 

Outro entrave é a ausência de um perfil único ou padrão claro de dupla excepcionalidade. Cada combinação (TDAH+AH, TEA+AH, etc.) pode se manifestar de modos diversos, e não há critérios formais em manuais diagnósticos para a dupla excepcionalidade em si. Isso significa que o avaliador precisa aplicar protocolos distintos: testes de inteligência, avaliação neuropsicológica, escalas comportamentais, entrevistas clínicas – e depois integrar os dados para formar um julgamento. Nem todos os profissionais têm formação ou experiência para tal integração. Psicólogos educacionais, neuropsicólogos e pediatras especializados em desenvolvimento tendem a ser os mais indicados para avaliar 2e, pois sabem que “sempre que houver suspeita, deve-se realizar uma avaliação ampla cobrindo o nível de inteligência, o grau do transtorno e áreas afetadas”, conforme recomendam Gilman et al. (2013).

 

Adicionalmente, as ferramentas de avaliação nem sempre são apropriadas. Testes de QI tradicionais, por exemplo, podem não captar plenamente o potencial de alguém que tenha déficit de atenção – um superdotado com TDAH pode obter pontuação apenas mediana se estiver desatento ou ansioso durante o teste. Ao mesmo tempo, escalas de comportamento baseadas em observações podem não detectar problemas em um autista superdotado que aprendeu a mascarar seus sintomas em ambientes estruturados. Portanto, muitas vezes é preciso flexibilidade e múltiplas fontes de informação: aplicar testes não tradicionais (por exemplo, avaliar criatividade, raciocínio fluido em vez de só memória e velocidade), colher relatos detalhados da história de vida, observar o indivíduo em diferentes contextos e assim por diante. No estudo de caso brasileiro já citado (Silva et al., 2021), por exemplo, a equipe conduziu sete sessões de avaliação neuropsicológica com o adulto suspeito de dupla excepcionalidade, usando uma bateria de instrumentos que incluía WAIS-III (teste de inteligência), escala de funções executivas de Barkley, testes de memória verbal (RAVLT), atenção (BPA), leitura e escrita, e escalas específicas de TDAH para adultos – só assim conseguiram mapear um perfil completo que confirmou o alto QI e os déficits executivos/atencionais compatíveis com TDAH. Esse caso ilustra o nível de detalhamento necessário.

 

Além disso, preconceitos e falta de informação por parte de familiares, educadores e até profissionais dificultam a identificação. Pais e professores podem não perceber que uma criança que tira notas medianas mas “vive no mundo da lua” é potencialmente superdotada com TDAH – podem simplesmente achar que ela é desinteressada. Ou, no caso inverso, podem recusar a ideia de que uma criança tão inteligente “tenha um transtorno”, atribuindo suas esquisitices apenas à superdotação. Gentry & Fugate (2008) observaram que a crença de que “déficits e superdotação não coexistem” ainda é bastante disseminada, atrapalhando o reconhecimento desses alunos atípicos. Da mesma forma, características contraditórias (como desempenho irregular, comportamentos peculiares) geram perfis “atípicos e complexos” que fogem das categorias tradicionais, levando muitos profissionais a hesitarem em fechar um diagnóstico duplo. Em alguns contextos, há até resistência institucional: escolas podem relutar em identificar superdotação em um aluno autista, temendo não saber lidar; ou serviços de saúde mental podem priorizar tratar os sintomas e ignorar a questão do alto potencial.

 

 

 

Subdiagnóstico e seus impactos

 

O resultado dessas dificuldades é um elevado subdiagnóstico da dupla excepcionalidade. Conforme mencionado, a vasta maioria dos adultos 2e nunca foi identificada na infância. Isso gera implicações profundas:

 

  • Intervenção inadequada: Sem saber que o indivíduo é 2e, ele provavelmente recebeu intervenções parciais. Por exemplo, um adolescente identificado apenas com TDAH pode ter recebido medicação estimulante e apoio psicopedagógico, mas ninguém estimulou suas habilidades excepcionais – possivelmente ele ficou entediado e desmotivado, desperdiçando talento. Ou uma criança tida apenas como superdotada recebeu enriquecimento curricular, porém suas dificuldades de atenção não foram tratadas – ela pode não ter desenvolvido técnicas de estudo, e ao chegar na universidade desorganizou-se completamente.

 

  • Intervenções pela metade não resolvem o problema; às vezes até agravam, porque focam em um aspecto enquanto o outro sabota o progresso. Só com um diagnóstico completo se pode planejar um suporte equilibrado (como propõe Schultz, 2012, que enfatiza equilibrar atividades de enriquecimento do talento com estratégias para as deficiências no plano educacional).

 

  • Problemas emocionais e baixa autoestima: Muitos duplamente excepcionais cresceram achando que havia “algo errado” com eles no caráter ou esforçaram-se inutilmente para se enquadrar, quando na verdade precisavam de apoio específico. O diagnóstico incorreto ou a falta dele frequentemente levam a isolamento social, autoestima baixa, depressão e ansiedade, conforme apontado por Dare & Nowicki (2015). Imagine um jovem que todos dizem ser inteligentíssimo, mas ele não consegue entregar resultados – ele passa a se julgar preguiçoso ou incompetente, gerando um sentimento crônico de inadequação. Ou ao contrário: um jovem que recebe apenas críticas por seu comportamento (por ter Asperger ou TDAH não reconhecido) e nunca é elogiado por suas habilidades, pode desenvolver um autoconceito muito negativo. Esses problemas muitas vezes se carregam até a idade adulta, prejudicando relacionamentos e levando a quadros clínicos que poderiam ser evitados com uma identificação correta e tempestiva.

 

  • Perda de potencial: Do ponto de vista social e econômico, subdiagnosticar 2e significa perder potenciais talentos para a sociedade. Indivíduos que poderiam ter inovado em ciência, artes, tecnologia ou outras áreas talvez não tenham tido oportunidade de se desenvolver plenamente. Rubenstein et al. (2015) entrevistaram pais de crianças 2e e relataram a dificuldade de achar propostas educacionais adequadas: as características dessas crianças são um desafio para famílias e escolas; muitos professores estão despreparados; não há padronização de apoio ou orientação a pais em busca de adaptações. Extrapolando isso à vida adulta, vemos que sem identificação muitos acabam “fora do lugar” – quantos gênios criativos podem estar deprimidos em empregos medíocres ou desempregados, por não terem sido lapidados nem acomodados? É um desperdício humano considerável.

 

  • Identificação tardia e sentimentos ambíguos: Para aqueles que eventualmente se descobrem 2e na vida adulta (por conta própria ou via profissionais), há impactos psicológicos interessantes. Por um lado, vem o alívio e validação: finalmente entender por que sempre se sentiu diferente, ou por que enfrenta certas dificuldades apesar de ser inteligente. Muitos descrevem a sensação de “peças do quebra-cabeça se encaixando” e passam a se perdoar mais, percebendo que não eram preguiçosos ou defeituosos, mas sim tinham um cérebro neurodivergente operando de forma diferente. Por outro lado, pode haver luto e arrependimento: pensar nas oportunidades perdidas, no “e se eu soubesse antes?”. Alguns também enfrentam resistência interna – aceitar que se é superdotado e autista/TDAH pode ser difícil, pois ambos os rótulos carregam estigmas; alguns sentem imposter syndrome (“será que não estão exagerando, será que sou mesmo tão inteligente assim?”) e simultaneamente vergonha de ter um transtorno (“será que isso é uma desculpa para minhas falhas?”). O suporte psicológico nessa fase de descoberta é crucial para elaborar essas emoções contraditórias.

 

Em resumo, o contexto diagnóstico da dupla excepcionalidade é marcado por obstáculos de reconhecimento e subdiagnóstico generalizado, com consequências no desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo e na sociedade. Nos últimos anos, porém, cresce a conscientização. Artigos científicos e manuais para educadores começam a tratar do tema; associações de superdotados e de autismo/TDAH ampliam o diálogo sobre casos 2e. Especialistas recomendam avaliar ambos os lados sempre que uma criança (ou adulto) apresentar pistas de potencial elevado e alguma dificuldade significativa – a recomendação é “pensar duplamente”. Ou seja, diante de um autista que parece muito verbal, considerar uma avaliação de habilidades; diante de um superdotado com comportamentos atípicos ou rendimento irregular, considerar avaliação neuropsiquiátrica. Somente assim conseguiremos reduzir o subdiagnóstico e fornecer a essas pessoas o reconhecimento integral que merecem.

 

 

 

Impactos na vida adulta

 

Viver como um adulto com dupla excepcionalidade afeta diversas esferas da vida: desde a trajetória educacional e profissional até os relacionamentos interpessoais, a saúde mental e a formação da identidade. Já tangenciamos vários desses aspectos; agora, analisaremos cada um com mais detalhe, para compreender os desafios e oportunidades que surgem na vida adulta de autistas e/ou pessoas com TDAH superdotadas.

 

 

 

Vida acadêmica e formação profissional

 

Educação superior e aprendizado contínuo: Muitos adultos duplamente excepcionais têm uma relação ambivalente com o ambiente acadêmico. Por um lado, sua sede de conhecimento os leva frequentemente a buscar educação superior e além – não é raro encontrarmos indivíduos 2e com múltiplos diplomas, pós-graduações ou cursos variados (às vezes em áreas díspares, refletindo seus diversos interesses). Eles podem brilhar em setores acadêmicos que combinem com seu hiperfoco e habilidade analítica. Por outro lado, as dificuldades executivas e sociais podem interferir: muitos relatam que durante a faculdade enfrentaram problemas com prazos, organização de estudos, ou networking acadêmico, o que retardou ou inviabilizou certas conquistas (como terminar um curso no tempo padrão, ou aproveitar oportunidades de estágio). Em casos de identificação tardia, alguns só retornam aos estudos depois de adultos, quando descobrem o porquê de terem falhado jovem e então procuram adaptações.

 

Um dilema comum é a escolha da área de estudo/profissão. Pessoas 2e tendem a ter interesses intensos e específicos, mas também talento para várias coisas, o que pode torná-las indecisas. Além disso, conselhos convencionais de carreira podem não se aplicar bem – às vezes são desencorajadas a seguir uma área “porque envolve muita burocracia” (mas que era a paixão delas), ou empurradas a outras “porque você tem QI para isso” mesmo não gostando. O resultado: trajetórias acadêmicas não-lineares, com trocas de curso ou formações duplas. Por exemplo, um autista superdotado pode inicialmente cursar engenharia (por pressão familiar), largar no meio, depois estudar música onde se encontra melhor. Essas idas e vindas podem ser vistas como fracasso por eles ou por terceiros, mas na verdade fazem parte do processo de se encontrar num mundo feito para trajetórias mais padronizadas.

 

Mercado de trabalho: No âmbito profissional, adultos 2e podem tanto alcançar sucesso notável em nichos quanto enfrentar desemprego ou subemprego persistente – dependendo do quão bem seus pontos fortes se alinham ao cargo e o quanto seus pontos fracos são acomodados. Indivíduos que conseguem “encaixar” suas paixões e habilidades em uma carreira relatam alta satisfação e desempenho. Há casos de empreendedores brilhantes que fundaram startups inovadoras (usando criatividade e tolerância ao risco, traços comuns a TDAH, por exemplo) ou pesquisadores de ponta (autistas superdotados que se tornam referência em um assunto hiperespecializado). Nessas situações, o trabalho se torna uma extensão natural de seus interesses, e suas dificuldades podem ser mitigadas pela autonomia e pelo ambiente adaptado (muitos trabalham melhor sozinhos ou em horários flexíveis, fugindo do 8-17 de escritório).

 

Entretanto, quando a vaga não se ajusta bem, problemas surgem: burocracia excessiva, ausência de estímulo intelectual ou ambientes sensoriais/socialmente desfavoráveis são veneno para o trabalhador 2e. Por exemplo, um TDAH superdotado num cargo administrativo repetitivo provavelmente irá procrastinar, cometer erros por distração e ficar altamente frustrado – possivelmente sendo demitido ou pedindo demissão logo. Um autista superdotado numa função de atendimento ao público pode entrar em colapso pelo estresse social e sensorial, mesmo que cognitivamente capaz do trabalho. A falta de compreensão por parte de chefias e colegas piora as coisas: sem saber do duplo perfil, podem julgar o funcionário como "não comprometido", "desorganizado" ou "antissocial". Assim, muitos 2e relatam históricos de empregos curtos ou seguidos de pedidos de afastamento. Alguns acabam optando por trabalhar de forma independente (freelancers, consultores, artistas autônomos), onde podem personalizar o ambiente de trabalho às suas necessidades – isso pode ser muito positivo, embora a instabilidade financeira às vezes seja um trade-off.

 

Sobrecapacitação vs. subemprego: Curiosamente, pessoas 2e podem experimentar tanto a sensação de overqualification (ser qualificadas demais para seu trabalho) quanto a de underachievement (não atingir um nível de carreira condizente com suas capacidades). Às vezes ambas ao mesmo tempo. Exemplo: um adulto com inteligência excepcional mas TDAH severo talvez só consiga manter empregos básicos; ele sabe que poderia teoricamente fazer muito mais, mas não consegue romper as barreiras executivas – vive num constante sentimento de subaproveitamento. Por outro lado, há quem se posicione em cargos altos e depois enfrente dificuldades pelas demandas organizacionais (ex.: um cientista genial vira coordenador de laboratório – mas gerir pessoas e burocracias foge de suas competências, resultando em estresse enorme). Esse desencontro pode levar alguns a abandonar carreiras promissoras por burnout, ou a evitar promoções, preferindo ficar em posições técnicas onde se sentem seguros.

 

É importante ressaltar iniciativas recentes de neurodiversidade no trabalho, que algumas empresas de tecnologia e ciência têm adotado, valorizando autistas e TDAHs por suas habilidades únicas e oferecendo adaptações (flexibilidade de horário, ambientes silenciosos, mediadores sociais). Tais programas – ainda incipientes no Brasil – podem ser especialmente benéficos a profissionais 2e, contanto que também reconheçam a parte da superdotação (ou seja, dando tarefas desafiadoras, não apenas sub-funções repetitivas). A combinação ideal de respeito às limitações e aproveitamento dos talentos pode transformar vidas e carreiras dessas pessoas.

 

 

 

Relacionamentos e vida social

 

Amizades e vida social: Muitos adultos duplamente excepcionais descrevem a infância como um período de sentir-se “fora da turma”. Na vida adulta, esse sentimento pode persistir, mas geralmente aprendem a encontrar nichos sociais onde se sintam mais aceitos. Alguns se aproximam de comunidades nerd/geek, grupos de interesse intelectual (clubes de leitura, grupos de discussão) ou comunidades de neurodivergentes, onde comportamentos excêntricos ou conversas profundas são mais normais. Encontrar pares – seja em intelecto, seja em neurodivergência – costuma ser transformador: “finalmente encontrei pessoas como eu”. Por isso, quando adultos autistas ou com TDAH superdotados se reúnem (p. ex., fóruns online, eventos de altas habilidades), há um senso de alívio e pertencimento.

 

Entretanto, dificuldades sociais podem continuar atrapalhando. Autistas 2e, por exemplo, podem não perceber nuances sociais, o que resulta em mal-entendidos com amigos ou isolamento (eles podem acabar evitando eventos sociais por exaustão). Já TDAHs 2e às vezes falam demais, interrompem, mudam de assunto de repente – alguns amigos entendem como excentricidade, outros se afastam julgando-os egoístas ou chatos. A intensidade emocional e intelectual também filtra as amizades: pessoas 2e podem não ter muita paciência para conversas superficiais, preferindo interações significativas – isso pode dar a impressão de arrogância ou desinteresse por parte deles. Além disso, se carregam traumas de bullying ou rejeição do passado, podem demorar a confiar e se abrir, aparentando frieza.

 

Um aspecto positivo é que, quando conseguem amizades, costumam ser amizades muito leais e profundas. Muitos superdotados autistas relatam que só se “ativam” socialmente na presença de pessoas com quem têm conexão intelectual; fora isso, parecem quietos ou alheados. Então, formar essa rede de suporte – mesmo que pequena – é vital para seu bem-estar. Famílias e cônjuges também fazem parte desse círculo: veremos adiante na identidade que ter a validação de entes próximos ajuda a contrabalançar as dificuldades externas.

 

 

Relações amorosas: No campo amoroso, experiências variam muito. Alguns adultos 2e encontram parceiros compreensivos e têm relacionamentos estáveis; outros experimentam uma sequência de desencontros. Desafios típicos incluem:

 

  • Comunicação e compreensão mútua: Autistas 2e podem ser muito literais, honestos e menos afeitos a demonstrações convencionais de afeto, o que parceiros neurotípicos interpretam como falta de amor ou grosseria. Já TDAHs 2e podem ser esquecidos com datas ou detalhes importantes, ou agir impulsivamente ferindo sentimentos sem querer. Explicar ao parceiro sobre a dupla excepcionalidade – e que certas atitudes não são desamor, mas parte do funcionamento – é crucial. Quando o parceiro entende, pode apoiar (por exemplo, ajudando na organização doméstica ou sendo paciente com necessidades de rotina do autista). Infelizmente, sem essa conversa, muitos casais entram em conflito contínuo.

 

  • Diferenças de ritmo e interesses: Pessoas 2e costumam ter interesses intensos que consomem tempo. Isso pode gerar queixas de que “você só liga para X e não para mim”. Um equilíbrio precisa ser construído: tempo dedicado ao hiperfoco vs. tempo de qualidade com o parceiro. Alguns resolvem envolvendo o parceiro no interesse (até certo ponto), ou negociando horários. Além disso, há diferença de necessidades sociais: um autista superdotado pode se satisfazer com pouca interação, enquanto o parceiro quer sair mais. Negociar essas diferenças sem que ninguém se anule é delicado.

 

  • Parentalidade: Curiosamente, muitos adultos descobrem sua dupla excepcionalidade ao terem filhos. Eles reconhecem traços seus nos filhos e buscam avaliação – às vezes ambos (pai/mãe e criança) acabam diagnosticados. Isso traz seus prós e contras no relacionamento: pode unir o casal no aprendizado sobre neurodiversidade familiar, mas também pode sobrecarregar se ambos os cônjuges tiverem desafios semelhantes (imagine dois adultos TDAH criando crianças TDAH superdotadas – a casa pode virar um caos sem ajuda externa). Parcerias sólidas costumam se construir na base da complementaridade: um parceiro neurotípico ou com menos dificuldades executivas supre o outro em certas tarefas, enquanto o parceiro 2e contribui com outras forças. Em duplas 2e, às vezes cada um assume papéis de acordo com seus talentos (um cuida das finanças se for organizado, o outro cuida de ensinar as crianças em casa com criatividade, etc.). Não há fórmula única, mas a chave é reconhecer e conversar sobre as respectivas fortes e fracas sem julgamento.

 

Em suma, na vida social e afetiva, a dupla excepcionalidade requer adaptações de ambos os lados. Quando amigos e parceiros aprendem sobre a condição, e o indivíduo 2e também aprende habilidades sociais necessárias (mesmo que cognitivamente treinadas), as relações podem florescer de forma autêntica e recompensadora. Muitos relatam que, com a maturidade, conseguiram encontrar “minha tribo” – pessoas com quem podem ser eles mesmos – e isso fez toda diferença para o bem-estar.

 

 

 

Saúde mental e bem-estar

 

Já abordamos em partes anteriores que adultos 2e têm vulnerabilidades quanto à saúde mental. Aqui, compilamos os principais pontos:

 

  • Ansiedade e depressão: São talvez as ocorrências mais comuns. A ansiedade pode vir desde cedo pela pressão de expectativas (sobre si mesmo ou dos outros) e pelo mismatch constante com o mundo. Pode se manifestar como transtorno de ansiedade generalizada, crises de pânico em situações sociais ou de desempenho, ou ainda ansiedade crônica camuflada por comportamentos compulsivos (perfeccionismo extremo, por exemplo). Já a depressão muitas vezes decorre de repetidos fracassos ou rejeições – depois de tantos esforços sem reconhecimento ou tantos relacionamentos rompidos, instala-se um desalento e perda de motivação. Depressão em superdotados 2e pode ter um componente existencial forte: eles pensam sobre o sentido da vida, injustiças, etc., com tanta profundidade que às vezes caem em desespero existencial. Também pesa a autoimagem negativa (“sou um desperdício”, “nunca vou dar certo”). Esses quadros podem ser agravados se não há diagnóstico: a pessoa se trata para depressão/ansiedade mas a causa raiz (ser 2e sem suporte) permanece ativa.

 

  • Transtornos de estresse e Burnout: Muitos adultos 2e chegam à meia-idade com sinais de esgotamento extremo. Anos e anos mascarando dificuldades, se esforçando o dobro para obter o mesmo que outros, ou tentando se encaixar, cobram seu preço. Burnout profissional é frequente, principalmente em ambientes de alta demanda sem suporte – a pessoa colapsa, não conseguindo mais produzir nada, às vezes sai do emprego e demora a se recuperar. Em mães/pais 2e cuidando de crianças neurodivergentes (possivelmente 2e também), pode ocorrer burnout parental. Sintomas incluem irritabilidade, apatia, lapsos cognitivos (memória, atenção ainda piores), além de piora dos sintomas do transtorno original (um TDAH burnout fica praticamente incapaz de se organizar minimamente).

 

  • Problemas de autoestima e identidade: Passar a vida se sentindo “errado” invariavelmente deixa marcas na autoestima. Mesmo entre superdotados identificados (que receberam elogios pelo talento), se o lado do transtorno foi ignorado, eles podem se achar “uma farsa” – inteligentes no papel mas incapazes na realidade. Isso pode evoluir para transtorno de identidade ou uma espécie de auto-sabotagem constante. Alguns, por medo de falhar, deixam de tentar (por exemplo, não se candidatam a promoções ou não mostram seus trabalhos criativos ao mundo). Outros desenvolvem perfeccionismo paralisante: só farão algo se tiver garantia de sair perfeito, pois se tornou intolerável cometer erros após tanta crítica na vida.

 

  • Máscara social e exaustão: No caso específico de autistas 2e (mas também alguns TDAH), muitos aprenderam a “imitar pessoas normais” para sobreviver social e profissionalmente. Essa camuflagem ou masking envolve suprimir comportamentos naturais, ensaiar conversas mentalmente, esconder manias, forçar contato visual, etc. Se por um lado isso ajuda a evitar preconceitos e facilita certas conquistas, por outro leva a altíssimo estresse interno, sensação de não poder ser autêntico e até dissociação. A literatura relata que autistas mascarados têm maior incidência de depressão e ideias suicidas justamente pelo nível de tensão que carregam diariamente e pela sensação de invisibilidade de sua verdadeira identidade. Em algum momento, a máscara cai – seja num meltdown (episódio de sobrecarga emocional) ou em colapso silencioso. Por isso, incentivar ambientes onde eles possam ser eles mesmos é fundamental para a saúde mental.

 

  • Uso de substâncias e comportamentos de risco: Embora não seja regra, alguns adultos 2e podem buscar alívio ou estímulo através de álcool, drogas ou outras condutas de risco. TDAHs, pela impulsividade, têm probabilidade aumentada de abuso de substâncias; superdotados deprimidos podem recorrer a automedicação também. Isso claro agrava problemas e pode mascarar ainda mais a identificação correta (ex.: atribuem os problemas ao vício e não veem o 2e subjacente).

 

Felizmente, uma vez diagnosticados e compreendidos, há muitas abordagens para promover o bem-estar dessas pessoas. Terapia cognitivo-comportamental adaptada para autistas ou TDAHs com altas habilidades pode ajudá-los a reformular crenças negativas e desenvolver habilidades sociais/executivas de forma personalizada. Medicamentos podem ser úteis (estimulantes para TDAH, antidepressivos, ansiolíticos) desde que o profissional entenda o contexto 2e – pois, por exemplo, superdotados são às vezes mais sensíveis a efeitos colaterais, ou autistas podem ter respostas diferentes a certos fármacos. Participar de grupos de apoio de adultos neurodivergentes ou superdotados pode reduzir o isolamento e normalizar suas experiências. Estratégias de gerenciamento de estresse (exercícios físicos, meditação, hobbies criativos) também são eficazes, contanto que levem em conta a necessidade de estímulo mental deles (atividades monótonas não prenderão sua adesão).

 

Em última análise, a saúde mental dos adultos 2e melhora drasticamente quando eles conseguem aceitar e integrar suas duas excepcionalidades na identidade, ao invés de se verem como “defeituosos” ou “partes desconexas”. O próximo tópico aborda justamente essa construção identitária e de autoconhecimento, crucial para o bem-estar.

 

 

 

Identidade e autoconhecimento

 

Formar uma identidade positiva sendo autista/TDAH e superdotado pode ser um percurso desafiador, mas libertador. Durante muito tempo, muitos se viram apenas pelos aspectos negativos (“esquisito”, “problemático”) ou tentaram se encaixar no molde neurotípico/societal. A descoberta da dupla excepcionalidade, seja na adolescência ou na vida adulta, é um ponto de virada que permite ressignificar a própria história.

 

Muitos relatam que ao conhecer o conceito de 2e e obter um diagnóstico formal, fizeram uma “revisão de vida”: eventos do passado ganharam novas explicações – “ah, então eu não era preguiçoso quando larguei aquele curso, eu estava sobrecarregado pela minha dificuldade de atenção”; “agora entendo porque as festas da empresa me deixavam doente de ansiedade – meu autismo não lida bem com aquele ambiente, e não porque sou antissocial gratuito”. Essa reinterpretação geralmente traz alívio e compaixão por si próprio. Eles passam a se perdoar por falhas e enxergar as realizações sob outra luz (por exemplo, valorizar o fato de ter terminado a faculdade apesar dos obstáculos internos que ninguém viu).

 

A construção identitária envolve integrar duas facetas que à primeira vista parecem opostas: ser neurodivergente e ser superdotado. Algumas pessoas inicialmente valorizam mais um lado do que o outro. Há quem se identifique fortemente com a comunidade autista/ADHD e veja a superdotação como secundária, apenas uma habilidade a mais. Outros preferem se identificar como superdotados e tratar o transtorno como nota de rodapé, talvez por considerarem socialmente mais aceitável. Com o tempo, tende-se ao equilíbrio: entender que ambas as características interagem e fazem parte de quem a pessoa é, sem hierarquia. Por exemplo, pode-se assumir: “Sou autista e superdotado, minhas habilidades especiais vêm muito do meu jeito autista de pensar, e minhas dificuldades também; tudo isso compõe meu estilo único”.

 

Um elemento chave é o orgulho e a autoaceitação. Movimentos de neurodiversidade incentivam as pessoas a terem orgulho de serem quem são – não orgulho no sentido de arrogância, mas de se valorizar e recusar a vergonha. No caso dos duplamente excepcionais, isso significa valorizar seu jeito singular de existir. Por exemplo, reconhecer: “Eu talvez nunca seja super organizado ou sociável, mas sou brilhante em criar e tenho um coração enorme para causas que importam para mim, e está tudo bem ser assim”. A partir dessa autoaceitação, eles podem se tornar até advogados de si mesmos e de outros – muitos adultos 2e engajam-se em advocacy, palestras, blogs, orientando jovens que passam por dilemas similares. Há um desejo de “que ninguém mais sofra como eu sofri sem saber quem eu era”.

 

Também vale mencionar a identidade dentro da comunidade. Alguns adotam rótulos identitários como “neurodivergente” com orgulho, ou participam ativamente de grupos de superdotados adultos (que estão se formando mais recentemente no Brasil, ainda tímidos). Essa participação reforça a identidade social: não sou apenas um indivíduo estranho, faço parte de uma comunidade de pessoas semelhantes. Trocar experiências nesse sentido confirma que suas vivências não são isoladas – há padrões comuns, e isso legitima suas lutas.

 

Claro, o processo identitário nem sempre é linear. Podem haver recaídas de autoimagem negativa, especialmente se encontram ambientes ainda não inclusivos. Pode-se sentir “muito autista no meio dos superdotados, e muito superdotado no meio dos autistas”, como já dito por alguns, numa sensação de não pertencer totalmente a nenhum grupo. Mas à medida que se conectam com outros 2e, percebem que ali pertencem – justamente no cruzamento das identidades.

 

Em síntese, a identidade de um adulto duplamente excepcional se fortalece ao integrar suas dualidades, reconhecer seu valor intrínseco e encontrar pertença em comunidades. Esse autoconhecimento lança bases sólidas para que possam então elaborar estratégias de viver melhor, a nosso próximo tema.

 

 

 

Orientações para autoconhecimento, adaptação e advocacy

 

Tendo explorado as facetas teóricas e vivenciais da dupla excepcionalidade, é fundamental oferecer orientações práticas para que adultos 2e possam prosperar. Aqui reunimos sugestões e estratégias, embasadas em pesquisas e recomendações de especialistas, que englobam desde o processo de busca de diagnóstico até formas de adaptação no cotidiano e advocacy (defesa de direitos e sensibilização da sociedade).

Buscando diagnóstico e autoconhecimento

 

  • Eduque-se sobre dupla excepcionalidade: O primeiro passo para quem suspeita ser 2e (ou está em processo inicial de descoberta) é buscar informações de qualidade. Ler artigos, livros e diretrizes especializadas ajuda a pessoa a identificar-se nos perfis descritos e entender melhor suas experiências. Este próprio artigo faz parte desse repertório, assim como obras de referência na área – muitas disponíveis em português, incluindo teses e artigos brasileiros sobre autismo & superdotação ou TDAH & superdotação. Familiarizar-se com a terminologia e critérios pode tornar mais assertiva a comunicação com profissionais posteriormente.

 

  • Procure uma avaliação profissional multidisciplinar: Se possível, busque profissionais que conheçam o conceito de dupla excepcionalidade. Pode ser um neuropsicólogo, um psiquiatra ou psicólogo clínico com experiência em autismo/TDAH em adultos e avaliação de altas habilidades. De preferência, essa avaliação incluirá testes cognitivos (QI, memória, atenção), questionários de sintomas e entrevistas clínicas aprofundadas. Leve para a consulta histórico escolar, relatos de familiares ou cônjuges que ajudem a compor o quebra-cabeça. Nem todos os profissionais estão atualizados – se sentir que o especialista desconsidera completamente um dos lados (por exemplo, ri quando você menciona superdotação, ou descarta TEA/TDAH por você ter sucesso acadêmico), considere buscar uma segunda opinião. Diagnóstico de 2e exige mente aberta e investigação cuidadosa.

 

  • Considere avaliações específicas para altas habilidades: No Brasil, há centros de atendimento e pesquisadores focados em identificação de superdotação (muitas vezes vinculados a universidades ou secretarias de educação). Se o aspecto altas habilidades não ficou claro na avaliação tradicional (que talvez focou só no transtorno), vale buscar um Centro de Altas Habilidades/Superdotação (Centros AH/SD) para testar aptidões específicas, criatividade, etc. Esses centros podem aplicar testes de criatividade (Torrance, por exemplo), indicadores de talento em artes, liderança, etc., complementando a visão do seu perfil. Lembre-se que superdotação não se resume a QI – às vezes alguém com QI “apenas” alto (ex: 120) mas com criatividade excepcional e hipersensibilidade pode ser considerado 2e igualmente. Os critérios variam, então uma avaliação especializada ajuda a legitimar esse lado.

 

  • Autodiagnóstico reflexivo: Em alguns casos, principalmente para adultos já maduros ou que não têm acesso fácil a especialistas, o autoconhecimento pode vir mesmo sem um laudo formal. Participar de comunidades online de pessoas 2e, fazer self-assessments (há checklists e questionários disponíveis em livros ou sites confiáveis) e refletir sobre sua vida sob essa nova lente pode levar a um “autodiagnóstico” responsável. Não se trata de sair se rotulando levianamente, mas de, com base em muita informação, concluir que muito provavelmente você é autista/TDAH e superdotado. Ainda assim, um laudo profissional traz vantagens: além da validação pessoal, pode ser necessário para acessar direitos (ver advocacy abaixo). Mas se isso não vier, não invalida sua vivência – muitas pessoas se afirmam neurodivergentes e/ou superdotadas sem ter um papel timbrado, baseadas em evidências consistentes. O importante é ter consciência de si e, se possível, compartilhar essa informação com quem convive com você.

 

  • Mapa pessoal de fortalezas e dificuldades: Uma vez ciente do perfil 2e, é útil delinear para si mesmo quais são suas principais forças e fraquezas. Faça uma lista honesta: por exemplo, “excelente com ideias e resolver problemas complexos, péssimo em gerenciamento de tempo e tarefas domésticas”. Isso ajuda a direcionar quais áreas trabalhar ou pedir ajuda, e quais alavancar. Um exercício recomendado é escrever uma breve “autodescrição 2e” – como se fosse explicar a alguém o seu jeito de funcionar, destacando tanto a parte “superdotado” quanto as “limitações”. Esse exercício cristaliza o autoconhecimento e prepara para comunicações futuras (é quase um script para explicar no trabalho ou aos amigos quando necessário).

 

 

Estruturas de adaptação no dia a dia

 

  • Crie um ambiente “user friendly” para seu cérebro: Adapte, sempre que possível, seu ambiente físico e rotinas às suas necessidades. Se você é sensível a estímulos, torne sua casa um refúgio tranquilo (iluminação confortável, fones de ouvido para ruídos, texturas de roupas agradáveis etc.). Se você se distrai fácil, estabeleça um espaço de trabalho livre de distrações e use ferramentas como aplicativos bloqueadores de sites, timers para sprints de foco (a técnica Pomodoro costuma funcionar bem para TDAHs). Por outro lado, se você tem tendência a hiperfoco a ponto de esquecer de si, configure alarmes para pausas de descanso e refeições. Pequenas modificações como essas podem prevenir muito estresse desnecessário, permitindo que você funcione no seu melhor. Lembre que você não precisa fazer tudo do jeito “normal” se isso não funciona para você – reorganize horários (alguns 2e rendem mais à noite e ajustam suas vidas a isso), utilize tecnologia assistiva (listas, gravadores, planners digitais) extensivamente, peça comida delivery em vez de se culpar por não conseguir cozinhar após um dia mentalmente exaustivo. Adaptar o mundo a você – na medida do possível – é uma das vantagens de ser adulto (diferente da escola rígida).

 

  • Estrategicamente, use seus pontos fortes para mitigar os fracos: Uma das recomendações de especialistas é capitalizar os talentos para compensar déficits. Por exemplo, se você aprende rápido e adora tecnologia (talento) mas é desorganizado (déficit), invista tempo em aprender a mexer nas melhores ferramentas de produtividade (apps de tarefas, agendas eletrônicas) e crie um sistema personalizado – seu intelecto pode tornar esse processo até divertido, e assim você contorna parte da desorganização. Se sua memória é ruim mas você é bom escritor, habitue-se a anotar tudo, fazendo disso quase um hobby (como escrever um diário detalhado que supri a memória). Se você sente dificuldade em apresentações orais mas é ótimo visual, foque em criar ótimos slides e recursos visuais que guiem você na hora H. Essa sinergia entre habilidades e dificuldades transforma supostas “fraquezas” em apenas itens gerenciáveis com ajuda da sua outra excepcionalidade.
     
  • Desenvolva habilidades sociais e emocionais de forma intencional: Aspectos como comunicação assertiva, empatia prática (saber ouvir, fazer turnos de fala) e regulação emocional podem não vir naturalmente, mas podem ser treinados. Terapia ou coaching social pode auxiliar autistas 2e a aprender “regras sociais” como se fosse uma segunda língua – sem anular sua autenticidade, mas adicionando um repertório para usar quando quiser. TDAHs podem se beneficiar de treinos de mindfulness para notar impulsos antes de agir, e técnicas de biofeedback para ansiedade. Muitos superdotados relatam sucesso com grupos de habilidades sociais ou oficinas de teatro para destravar a expressividade. Não há demérito algum em aprender cognitivamente o que outros aprendem intuitivamente – pense que seu cérebro aprende tantas coisas complexas, pode aprender isso também. E hoje há materiais voltados a neurodivergentes, tornando o aprendizado mais alinhado. O objetivo não é fingir ser quem não é, mas sim ter ferramentas para navegar situações importantes (por exemplo, saber se apresentar apropriadamente numa entrevista de emprego, ou controlar a frustração numa discussão de relacionamento para não dizer algo de que vá se arrepender).
     
  • Gerencie energia e previna sobrecarga: Pessoas 2e precisam estar atentas ao seu “tanque de energia”. Atividades intelectuais intensas ou contextos sociais exigentes consomem muito de você – planeje descansos estratégicos antes e depois. Se você sabe que terá um dia cheio de reuniões (o que pode ser torturante para um autista superdotado, por exemplo), talvez decline convites sociais à noite e fique quieto fazendo algo que recarregue sua energia (ler um livro favorito, jogar, ficar sozinho). Aprenda quais atividades recarregam vs. drenam você. Sono adequado é crucial – hipermentes tendem a ter insônia, então higiene do sono (horários regulares, ambiente escuro, evitar telas antes de dormir) deve ser observada. Exercícios físicos, embora possam entediar alguns, ajudam no humor e função executiva; tente achar modalidades que agradem seu perfil (superdotados gostam de desafios mentais: artes marciais, natação contando voltas, trilhas na natureza; ou transforme corrida em aprendizado ouvindo audiobooks). Em suma, cuidar da máquina corporal e mental com carinho é indispensável para se manter funcional e feliz.
     
  • Busque apoio profissional quando necessário: Não hesite em recorrer a terapia ou consultoria especializada para obstáculos específicos. Um psicoterapeuta que entenda seu perfil pode ajudar em questões de autoestima, ansiedade, processamento do passado. Um coaching de carreira focado em neurodivergentes pode orientar transições ou melhorar sua adaptação no trabalho atual (como negociar home office, por exemplo). Mentores ou grupos de pares também são valiosos – às vezes conversar com alguém que “venceu” em certa área sendo 2e inspira soluções. Se precisar de medicamentos (para TDAH, depressão, ansiedade), siga orientação médica e faça ajustes até achar o equilíbrio – muitas pessoas 2e melhoram consideravelmente com medicação, outras preferem sem; o ideal é individualizar. A mensagem aqui é: você não precisa enfrentar tudo sozinho. Reconhecer que precisar de ajuda não diminui sua inteligência ou valor – pelo contrário, é um ato de sabedoria.
     

 

 

Advocacy e direitos

 

Por fim, é importante abordar o papel do próprio indivíduo 2e e da comunidade na advocacy – isto é, na promoção de compreensão e garantia de direitos, tanto em esfera pessoal quanto coletiva.

 

  • Autodefesa no trabalho e estudo: Se você está empregado ou estudando, conhecer seus direitos e comunicar suas necessidades é fundamental. A legislação brasileira de inclusão (Lei Brasileira de Inclusão, LDB etc.) garante adaptações razoáveis para pessoas com transtornos do desenvolvimento, assim como prevê atendimento educacional especializado para altas habilidades. Explique seu perfil (na medida em que se sentir confortável) a quem possa implementar ajustes: um coordenador no trabalho, o setor de RH, um professor na pós-graduação. Você pode solicitar coisas como: flexibilidade de horário (chegar mais tarde se tem insônia mas sair mais tarde, por ex.), possibilidade de home office parcial, locais silenciosos para concentração, prazos negociáveis em trabalhos criativos (se metodologias típicas não funcionam para você), entre outros. Ao mesmo tempo, demonstre suas competências – mostre que, com essas condições, você entrega excelente resultado. Muitas vezes, empregadores e professores desconhecem a dupla excepcionalidade; cabe a nós educá-los, gentilmente, trazendo talvez até material informativo. Caso encontre resistência ou preconceito, busque instâncias superiores (departamento de diversidade/inclusão se houver, ou até apoio legal em casos de discriminação flagrante). Lembre que pessoas com TDAH e TEA possuem proteção legal e superdotados têm direito a atendimento diferenciado na educação – isso tudo ampara seu pedido.

 

  • Construir uma rede de apoio: A advocacy também se dá unindo-se a outros. Participe de grupos ou associações de superdotados, autistas, TDAHs – mesmo que nenhuma seja especificamente de 2e ainda, você pode ajudar a pautar o tema dentro delas. Por exemplo, no movimento autista, leve a perspectiva de autistas de alto funcionamento superdotados, suas necessidades específicas; no movimento de altas habilidades, fale sobre a importância de identificar comorbidades. Quanto mais pessoas ouvirem, mais o assunto deixa de ser invisível. Se houver encontros, seminários, lives sobre neurodiversidade, coloque perguntas ou depoimentos sobre dupla excepcionalidade. Aos poucos, formam-se comunidades dentro das comunidades.

 

  • Compartilhar sua história (se estiver pronto): Um dos atos mais poderosos de advocacy é contar sua vivência. Seja em blog, redes sociais, vídeos ou conversas individuais, seu relato pode tocar outros que estão perdidos sem entender a si mesmos. Claro, isso é pessoal – ninguém é obrigado a se expor. Mas mesmo anonimamente, você pode escrever artigos ou posts esclarecedores. Muitos adultos hoje descobrem que são 2e ao ler o depoimento de alguém semelhante. Isso cria um efeito cascata positivo. Além disso, abrir-se sobre suas necessidades para amigos e familiares é uma micro-advocacy: você os educa e os convida a apoiar. Ainda que nem todos entendam de primeira, plantar a semente da informação já é valioso.

 

  • Políticas públicas e pesquisa: Em nível coletivo, talvez você queira se envolver ativamente em causas por melhor identificação e apoio a 2e no Brasil. Isso pode ser desde apoiar projetos de lei, participar de consultas públicas do Ministério da Educação ou da Saúde sobre inclusão, até engajar-se em pesquisas como participante ou colaborador (universidades frequentemente buscam adultos superdotados ou autistas para estudos – sua participação ajuda a gerar conhecimento). Contribuir com a produção de conhecimento é uma forma nobre de advocacy, e muitos superdotados o fazem muito bem, seja escrevendo artigos, livros ou palestrando para profissionais.

 

  • Combate ao estigma: Por fim, advocacy é também combater mitos e estigmas no dia a dia. Quando ouvir alguém dizer “ah, superdotado não tem problema nenhum, só tira nota boa” ou “TDAH é falta de disciplina, imagina ser TDAH e gênio ao mesmo tempo, que desculpa esfarrapada”, você pode, com paciência, explicar a realidade, citar dados (agora você tem vários!). Cada mente que se abre reduz o preconceito geral que impede tantos de serem ajudados. Como duplamente excepcional, você está numa posição única de conectar dois mundos e promover entendimento mútuo – mostrando aos neurotípicos que altas habilidades não blindam contra dificuldades, e mostrando aos neurodivergentes que eles podem ter talentos enormes junto com os desafios.
     

 

 

Conclusão

 

Adultos autistas e/ou com TDAH de altas habilidades representam uma parcela singular e ainda pouco compreendida dentro da neurodiversidade. Ao longo deste artigo, exploramos a dupla excepcionalidade em profundidade – definindo o conceito, descrevendo perfis de combinação de autismo com superdotação e TDAH com superdotação, delineando características, desafios e forças comuns, e abordando as implicações diagnósticas, psicossociais e identitárias na vida adulta. Vimos que longe de ser uma raridade exótica, a dupla excepcionalidade provavelmente toca milhares de pessoas no Brasil, embora a maioria tenha passado despercebida em sistemas educacionais e de saúde que tendem a enxergar apenas uma “etiqueta” por vez.

Os desafios enfrentados por esses indivíduos são significativos: subdiagnóstico crônico, incompreensão social, dificuldades acadêmicas e laborais, problemas de saúde mental decorrentes de anos de inadequação. Porém, também identificamos um enorme potencial e pontos fortes notáveis – criatividade, inteligência acentuada, hiperfoco produtivo, pensamento original, sensibilidade –, que quando bem canalizados podem resultar em realizações extraordinárias e contribuições valiosas à sociedade. A chave para transformar o cenário está em reconhecimento e suporte adequados: diagnóstico correto (ainda que tardio), acomodações no ambiente educacional e profissional, e apoio psicossocial para que esses adultos se entendam e se desenvolvam plenamente.

 

Para o leitor que se identificou com essas linhas – seja por si próprio, seja por alguém próximo – esperamos ter proporcionado conhecimento e também acolhimento. Saber que existem outros como você, que sua vivência tem nome e explicação, e que há estratégias e recursos para uma vida melhor, pode ser reconfortante e estimulante. Você não está só nessa jornada. Cada vez mais, outros adultos duplamente excepcionais estão se encontrando e se fortalecendo mutuamente, formando comunidades de indivíduos que se aceitam em sua completude.

 

No âmbito coletivo, há um longo caminho a percorrer. Precisamos de mais pesquisas sobre adultos 2e (a literatura ainda é escassa, especialmente no contexto brasileiro), mais formação para profissionais detectarem e intervirem, e políticas públicas que incluam explicitamente essa população “invisível”. Entretanto, com iniciativas e advocacy crescentes, há motivos para otimismo. A própria noção de neurodiversidade vem ganhando espaço, desafiando visões estreitas sobre inteligência e deficiência. Dentro desse paradigma, a dupla excepcionalidade deixa de ser uma contradição e passa a ser vista como parte natural da variabilidade humana – pessoas que simultaneamente têm altas capacidades e diferenças funcionais, e que por isso merecem um olhar atento e respeitoso em todas as fases da vida.

 

Concluindo, adultos autistas e/ou com TDAH que possuem altas habilidades enfrentam desafios únicos, mas também possuem um potencial único. Com compreensão, autoconhecimento e suporte certo, eles podem transformar suas aparentes dualidades em fonte de inovação, criatividade e crescimento pessoal. Que possamos construir uma sociedade onde esses indivíduos não precisem mais se esconder atrás de máscaras ou sofrer em silêncio, mas sejam reconhecidos em sua dual excepcionalidade e recebam oportunidades para florescer. Cada cérebro, com suas sinapses peculiares, tem valor – e na intersecção da genialidade com a neurodivergência, podemos encontrar novas formas de enxergar o mundo e solucionarmos problemas de maneiras que nunca imaginaríamos. Valorizar e incluir plenamente as pessoas 2e é, portanto, não apenas uma questão de justiça individual, mas um investimento coletivo em diversidade de pensamento e talentos para o futuro.

 

 

 

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